segunda-feira, 24 de maio de 2010

"VENDE FRANGO-SE



Alguém encontrou esta pérola escrita numa placa em frente a um mercadinho de um morro do Rio: "Vende frango-se". É poesia? Piada? Apenas mais um erro de português?
É a vida e ela é inventiva. Eu, que estou sempre correndo atrás de algum assunto para comentar, pensei: isso dá samba, dá letra, dá crônica. Vende frango-se, compra
casa-se, conserta sapato-se.
Prefiro isso aos "q te cmg?" espalhados pelo mundo virtual, prefiro a ingenuidade de um comerciante se comunicando do jeito que sabe, é o "beija eu" dele.
Vende carne-se, vende carro-se, vende geléia-se. Não incentivo a ignorância, apenas concedo um olhar mais adocicado ao que é estranho a tanta gente, o nosso idioma.
Tão poucos estudam, tão poucos lêem, queremos o quê? Ao menos trabalham, negociam, vendem frangos, ao menos alguns compram e comem e os dias seguem, não importa
a localização do sujeito indeterminado. Vive-se.
Talvez eu tenha é ficado agradecida por esse senhor ou senhora que se anunciou de forma errônea, porém inocente, já que é do meu feitio também trocar algumas coisas
de lugar, e nem por isso mereço chicotadas, ao contrário: o comerciante do morro me incentivou a me perdoar. Esquecer o nome de um conhecido, não reconhecer uma
voz ao telefone, chamar Gustavos de Olavos, confundir os verbos e embaralhar-se toda para falar: sou a rainha das gafes, dos tropeços involuntários. Tento transformar em folclore, já que falta de educação não é. Conserta destrambelhada-se. Eu me ofereço como cliente. Quem não? Sabemos
todos como é constrangedor não acertar, mas lá do alto do seu boteco, ele nos absolve. Ele, o autor de um absurdo, mas um absurdo muito delicado.
Vende frango-se, e eu acho graça, e achar graça é uma coisa boa, sinal de que ainda não estamos tão secos, rudes e patrulheiros, ainda temos grandeza para promover
o erro alheio a uma inesperada recriação da gramática, fica eleito o dono da placa o Guimarães Rosa do morro, vale o que está escrito, e do jeito que está escrito,
uma vez que entender todos entenderam. Fica aqui minha homenagem à imperfeição.
9 de novembro de 2005”

Texto de Martha Medeiros



[BOM DIA.]